terça-feira, 1 de junho de 2010

Análise de Conjuntura Mundial

Aos(as) irmãos(ãs) da CEBs partilhamos com vocês  uma   Análise  de Conjuntura mundial,  uma análise amadurecida da atual conjuntura,  muito especial e esclarecedora para todos nós que o Pe Nelito Nonato Dorneles(assessor das CEBs no Brasil) partilhou conosco. Um abraço fraterno a todos(as). Valdenice.
Eis,  a  Análise de Conjuntura  - 48ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, 3 a 13 de maio de 2010 (Não é documento oficial da CNBB):**************************

Apresentação
A crise (financeira de 2008) pode “dar a luz” a um novo modelo de economia? Ela é sintoma de um modelo de desenvolvimento econômico e social que dá sinais claros de esgotamento. Todavia os Estados nacionais não parece demonstrar vontade política de estabelecer um regramento para o mercado internacional de capitais (como ocorreu em outras crises), nem tampouco, revelaram em Copenhague uma escuta do que a natureza está a reclamar. Essa conjuntura internacional revela a atualidade da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010: “Economia e Vida”.
A sociedade tem buscado construir alternativas, seja por meio do Fórum Social Mundial, seja pela iniciativa da Assembléia Popular do Brasil, oriunda das Semanas Sociais Brasileiras, que caminha para sua segunda edição nacional, em maio de 2010. Nestes dois processos políticos significativos o tom é de construção de um projeto popular para o Brasil que revele uma nova meta-síntese e que reveja o modelo de desenvolvimento, atento aos “sinais dos tempos” que a natureza tem profetizado com os fenômenos oriundos da mudança climática. Outro exemplo foi a realização em abril último, na América Latina, da Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas, com a participação de mais de 20 mil pessoas.
A atuação do presidente norte-americano, Obama ainda é objeto de muitas e contraditórias análises. A esperança de mudanças estruturais nas relações dos Estados Unidos com o conjunto dos países e Blocos no mundo ainda está a desejar. O que podemos esperar?
Na América Latina e Caribe, passando pela tragédia do Haiti, situação de Honduras, quadro de violência na Colômbia, parece revelar uma nova estratégia do Estado Norte-Americano para o continente (mesmo distanciando-se do discurso do presidente Barack Obama): a chamada “segurança democrática”, que traz em seu bojo a militarização e a construção de polarizações que possam privilegiar o estabelecimento de acordos bilaterais com os Estados Unidos, inibindo a possibilidade de novas articulações neste espaço geopolítico, que desejam afirmar a democracia social com soberania.
No contexto brasileiro, abordamos a situação de desigualdade e pobreza, como se deu o papel do Estado brasileiro neste contexto para o enfrentamento da crise financeira internacional de 2008. O debate sobre Direitos Humanos teve na pauta da Assembléia um tempo específico, que está sendo preparado por uma Comissão de Bispos e assessores. Além disso, a Campanha Ficha Limpa mostra sua capacidade de mobilizar o debate pré-eleitoral, influenciando e pressionando o Congresso para sua aprovação para aplicação ainda neste ano. Para reflexão sobre o quadro eleitoral utilizaremos uma entrevista oferecida pelo professor doutor Luiz Felipe de Alencastro, que apresenta não apenas o quadro das eleições, como lança desafios para o país após as eleições.
Buscando construir um projeto para o país, será realizada em maio a II Assembléia Popular Nacional em Brasília, que vivencia desafios importantes para encontrar unidade. A perspectiva é se que se possam assimilar novas contribuições, fruto do crescimento da consciência sobre a necessária sustentabilidade de um projeto de desenvolvimento nacional, diante do avanço do Aquecimento Global, respeitando-se os biomas e valorizando as experiências que apontam para uma nova economia. Ilustrando a profundidade desse debate, segue a reflexão sobre a Hidrelétrica de Belo Monte, que desde a sua proposta inicial enfrenta resistência dos setores sociais da Amazônia, que encontram em Dom Erwin, Bispo do Xingu e presidente do CIMI, sua voz profética.
Finalizamos a Análise com as Notícias do Congresso, avaliando quais são as principais preocupações dos parlamentares brasileiros, bem como com notícias sobre a tramitação de iniciativas legislativas de interesse e temas que tendem a ocupar a cena dos debates nos próximos meses.
1. Internacional: a crise pode ser parteira do novo?
Parece que sim: deve. O modelo atual de consumo é insustentável. A Humanidade dispõe de recursos para garantir o atendimento das necessidades humanas com menos desperdício de recursos e mais igualdade (condição para paz). Nesta perspectiva a temática da Campanha da Fraternidade Ecumênica é atualíssima, com o tema: “Economia e Vida” e, com o lema: “não podeis servir a Deus e ao Dinheiro”.
A crise financeira internacional de 2008, não prevista pelos grandes economistas do neoliberalismo, permitiu um profundo questionamento do modelo do capitalismo neoliberal, modelo de desenvolvimento econômico hegemônico dentro da Globalização. Muitos pensadores e pensadoras acreditam que o que temos é uma crise de civilização.
Tal fenômeno e seus desdobramentos (na maioria dos países, foram os Estados Nacionais que socorreram os bancos e financeiras para que não quebrassem), revelaram que o Mercado não “regula” a economia e há necessidade de estabelecer critérios de regulamentação da conduta dos investidores globais. Com a crise, o Fórum Econômico de Davos perdeu força, enquanto houve um fortalecimento dos espaços de formulação de alternativas ao sistema neoliberal dominante, assim cresceu a importância e a responsabilidade dos participantes do Fórum Social Mundial.
Houve o estímulo a novas proposições e estudos, visando tratar a crise como “oportunidade”, os efeitos, porém, na maioria dos países centrais no capitalismo internacional ainda são recessão e desemprego, com queda abrupta de renda. Ilustra a situação, a quase bancarrota da Grécia. “O problema é que não é só a Grécia; os bancos europeus estão atolados em cerca de US$ 2 trilhões em dívidas dos chamados Piigs: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha”[1].
O estilo de vida nas grandes cidades revela o modelo de consumo insuportável: um terço das moradias são unipessoais e há automóveis se deslocando com uma só pessoa nos imensos congestionamentos, como exemplos do desperdício. Além disso, relatório da Anistia internacional divulgado no último dia internacional das mulheres, em Montevidéu, Uruguai, denuncia que 70% das pessoas pobres no mundo são mulheres; revelando a discriminação que ainda pesa na diferença de gênero.[2]
No Brasil há a experiência de como a crise das exportações em 1929 permitiu a indústria nacional deslanchar. O exemplo ilustra o lado decisivo da pergunta: condição para a crise gerar o novo, é a quebra do poder dos “velhos” interesses.
A crise de 1929 encaminhou o “novo” porque debilitou o “velho”. A burguesia agrária não tinha mais cacife contra a ação modernizante do Estado; era mais realista ceder os anéis e garantir os dedos. O que não reduz a competência de Vargas e sua equipe. Mas a correlação de poder mudou.
Os Estados nacionais – desta vez, quanto possível unidos na ação – poderiam intervir para coordenar os fluxos financeiros internacionais; como nos anos 30, cada um agiu com maior, menor (ou nenhum) sucesso, no seu âmbito; mas agiram! Não parece que se caminha para lá.
Os fluxos financeiros continuam na ordem de dez vezes a riqueza real gerada. Os bancos voltam aos comportamentos causadores da crise e (parcialmente) reprimidos durante ela. Continuam apostando em que os governos os resgatarão se insolventes, porque sua quebra transtornaria demais. Na Argentina, o Banco Central derrota a presidência da República (sem entrarmos no mérito das pretensões dela). Passo no enfraquecimento do Estado nacional, os EUA terceirizam a pesquisa espacial. Este campo de avanço da Humanidade caberia melhor a uma colaboração interestatal mundial; até para a construção da autoridade mundial democrática, participativa, com que sonhava João XXIII. Mas passa para o controle do capital, sob “leis do mercado”.
Outro fracasso do parto do “novo” se deu em Copenhague. Qualquer acordo sobre o clima seria complexo e se teria de negociar duramente. Mas não houve acordo ruim; não houve acordo! Falta vontade política; questão de poder. O grande capital não quer ser limitado pelo cuidado do ambiente, externo às “leis do mercado”, que restringe o lucro, critério da “economia correta”. Nessa lógica, a realidade é “artificial”; e “naturais” são as estruturas históricas.
De qualquer modo, a resistência altermundista se organizou e promoveu em abril a Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra. As decisões saídas da Conferência dos Povos não são vinculantes, porém, elas contribuíram para apresentar um projeto de declaração dos Direitos da Mãe Terra, a proposta de referendo mundial dos povos sobre as mudanças climáticas, sendo criado um plano de ação para avançar na construção do Tribunal de Justiça Climática e definidas estratégias de ação para defender a vida e a Mãe Terra frente às mudanças no clima. A própria ONU já reconhece uma nova categoria de refugiados: os refugiados do clima!
Obama não abandona
Sua vitória como presidente foi esmagadora em 4 de novembro, com clara maioria no Senado e na Câmara; tinha 80% de simpatia na população quando assumiu em 20 de janeiro de 2009. Obama vinha a romper a crescente onda conservadora no país desde os anos 70.
Obama assumiu no meio da maior recessão desde a depressão dos anos 30, com 800.000 mil novos desempregados, uma grave crise econômica e financeira, e o país envolvido em guerras indefinidas.
Queria renovar a prática política em Washington, para que seja superado o descrédito da classe política na população. Na sua campanha eleitoral fez ambiciosas promessas que marcavam uma ruptura com a era Bush: universalizar o sistema de saúde; fechar a prisão de Guantánamo; retirar os soldados do Iraque em 2010; renovar o sistema de educação; criar numerosos empregos; desenvolver a energia limpa; regularizar a imigração.
Se não fosse o duplo golpe da reforma do sistema de saúde (final de março) e o tratado de desarmamento nuclear (começo de abril), o balanço seria de certa desilusão. A composição do governo não trás muita novidade. Robert Gates, secretário de defesa, e Hillary Clinton, secretária de Estado, são entre outros perfeitos representantes da continuidade conservadora.
Violentamente atacado na mídia por grupos republicanos (que não aceitam a sua raça, as suas origens e seu programa), o presidente encontra muita resistência, até nas fileiras democráticas, para concretizar o seu projeto de governo e realizar suas promessas eleitorais. A oposição destrói sistematicamente sua imagem de renovador comprometido com mais justiça. A tal ponto que o presidente no discurso do Estado da União (janeiro de 2010) mencionou quanto é penoso ouvir ou ler tantas insinuações e acusações falsas.
Avanços e recuos na política internacional
Na política internacional, os passos são lentos. Hillary Clinton está bem aquém dos objetivos do presidente. Em 2009, na África (em Accra, no Gana), no Cairo, em Praga e em Moscou, Obama fez discursos profundamente renovadores, nos quais indicava os fundamentos duma nova política de relações internacionais construída não mais sobre a dominação e a guerra, mas sobre o diálogo e o respeito das soberanias.
Até agora – exceto o acordo com a Rússia para a redução do armamento nuclear (que não é uma pequena vitória!) – o presidente não conseguiu avanços. No Oriente médio, o diálogo da paz está no ponto morto. O premiê Netanyahu declarou a quem queria ouvi-lo que, quaisquer que sejam as pressões, continuaria a instalação de colônias na Cisjordânia e em Jerusalém e que Israel não pode aceitar a formação dum Estado palestino. É a negação de qualquer possibilidade de negociação.
Na campanha eleitoral Obama tinha prometido de acelerar a retirada das tropas do Iraque (115.000 soldados) até agosto de 2010. Agora fala-se de agosto de 2011 ou mais tarde. No Afeganistão, a situação é mais difícil do que prevista. Na esperança de vencer mais rapidamente os talibãs, Obama enviou 30.000 soldados a mais. É neste contexto, bem pouco pacífico, que o presidente recebeu o prêmio Nobel da paz. Prêmio tanto mais controvertido porque o presidente defendeu a guerra justa no discurso ao recebê-lo.
Resultados desiguais na política interna
A grande batalha inicial do mandato ia ser a universalização do sistema de saúde. Foi uma vitória “histórica” do governo confederal (obs.: os EUA tem uma republica confederativa) contra as crescentes desigualdades. Obama jogou toda a sua reputação e prestígio na reta final. Convincente e tenaz conseguiu fazer o que vários presidentes tentaram e não conseguiram. É uma lei para 45 milhões de cidadãos sem proteção. “O atual sistema, a 80% privatizado, é o mais caro (16,2% do PIB !) e o menos eficiente dos paises desenvolvidos”. É uma lei que continua a levantar as paixões. A oposição se tornou histérica. Um radialista do principal canal de TV (Fox News) chegou a declarar que essa reforma leva os EUA ao fascismo e ao comunismo, como é na Europa!!! O presidente ganhou muita credibilidade para continuar a luta; e os campos de batalha não faltam.
O plano de reaquecimento econômico não engata e o alto desemprego não diminui. Esse é um terreno sobre o qual a opinião pública é muito sensível.
No rasto da reforma da saúde, o presidente já anunciou o lançamento dum projeto de profunda reforma da educação. Essa não deveria ser muito difícil de conseguir.
Mas muito mais difícil será a reforma financeira. Os bancos americanos apresentam uma insolente saúde a pesar da crise. Wall Street registra lucros históricos e, enquanto a crise aumenta o desemprego, os bancos distribuem bônus recorde. A atitude dos bancos irrita o presidente. Ele quer que devolvam os 700 bilhões de dólares recebidos do Estado no apogeu da crise. Ainda não se sabe qual será a nova legislação, mas já os gigantes bancários se declararam prontos para o confronto. Não falta coragem ao presidente para engajar tal combate.
A energia limpa e a questão ambiental figuraram entre as promessas da campanha eleitoral. No entanto, em Copenhague, em dezembro de 2009, não houve acordo sobre a necessidade de metas compulsórias, pois os dois gigantes (EUA e China) quiseram antes de tudo preservar a sua soberania.
Dezesseis meses depois da investidura, Obama continua a ser um enigma para muitos. Para onde vai o presidente se perguntam os editorialistas.
Para os seus colaboradores mais próximos, o presidente Obama é um homem de convicção, calmo e determinado. Quer redemocratizar a vida política presa dos inúmeros e poderosos lobbies em Washington. Obama dialoga com todos; procura os consensos que os republicanos não aceitaram até agora. Constrói lentamente. Muito bom orador; explica com muita clareza os seus projetos e as suas decisões. Não decide na precipitação.
Antes de decidir, costuma deixar os protagonistas debaterem, entre republicanos e democratas, e aprecia como evolui a correlação de força. Escolhe então a via média, a do centro.
Aos seus seguidores, o presidente Obama quer mostrar que não abandonou nada dos seus princípios e de suas idéias em favor da democracia e da justiça. Continua – diz ele – na ofensiva, sem deixar as promessas da campanha eleitoral. Com perfeita maestria da argumentação, o presidente se defende das críticas dos seguidores, que o acham prudente, prudente demais. Refuta com convicção as acusações de imobilismo.
Obama representa o que o sistema norte-americano, bem conservador, pode produzir de mais avançado atualmente. Uma maioria continua a confiar nele, mas o entusiasmo se reduziu. Se não houver alguns avanços na recuperação econômica com criação de empregos, o presidente pode nas eleições no meio de mandato (novembro de 2010), perder a maioria na Câmara, até no Senado.
2. América Latina: “Segurança Democrática” versus Democracia social com soberania interna e externa
Em visita ao Brasil, em março, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, expressou sua concepção de democracia, quando declarou que a gente estava esperando nova partida do governo venezuelano para restaurar a propriedade privada e a economia de mercado. Isto significa concretamente privatização da economia com abertura dos mercados sob os auspícios de um tratado ou acordo de livre comercio, e até a dolarização da economia. Essa declaração se insere na política histórica da intervenção norte-americana nos países que o presidente Monroe, já em 1823, considerava como quintal dos Estados Unidos. O objetivo declarado hoje, consiste em estabelecer uma “segurança democrática” que proteja os interesses do capital norte-americano: empresas transnacionais, propriedade intelectual (as patentes), ampliação de bases militares e reativação da Quarta Frota da Marinha americana.
A posse de Obama na presidência dos Estados Unidos assinalava nova postura política em relação com os países da América latina no sentido de mais respeito às soberanias nacionais, com perspectivas de parcerias nas relações entre Estados. Entretanto, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, apoiou os golpistas em Honduras, voltando às práticas políticas dos anos 60 e 70 que consiste em contribuir com a tomada de poder de uma fração das classes dominantes para facilitar o processo de globalização (neo)liberal favorável ao capital norte-americano. Fica significativo no caso emblemático de Honduras, o apoio logístico da base militar de Palmerola, a mais importante na América Central, e o apoio político do embaixador que, em 2002, foi encarregado dos negócios andinos no Conselho Nacional de Segurança em Washington na época do golpe de Estado contra Hugo Chavez. Fica a questão em saber, neste contexto meio-intervencionista, qual é o futuro da democracia na Bolívia e no Paraguai, pois esses países sofrem pressão interna por parte das classes dominantes tradicionais com apoio dos Estados Unidos. Na Bolívia, Evo Morales saiu vitorioso nas eleições regionais. A oposição que fica nas regiões mais ricas do país e por isso se declarava ontem separatista e/ou autonomista perdeu espaço político.
Quer seja no desfecho da crise de Honduras ou na organização da reconstrução de Haiti, nem a ONU, nem a OEA, nem a UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) tiveram e têm os meios políticos para atuar. No caso de Haiti, ficou claro que não há ajuda humanitária sem controle e intervenção militar. Não é por acaso que a ajuda humanitária norte-americana se acompanhou de uma força-tarefa de 10.000 marines no controle do aeroporto e das instalações portuárias. Hillary Clinton prometeu um bilhão de dólares para a reconstrução do país, lembrando que, para os Estados Unidos, é uma tentação voltar aos velhos costumes de controlar o governo local, suspeito de corrupção, em vez de tratar o governo local como parceiro. Washington pensa evitar a repetição de erros do passado pela instituição de uma “comissão interina para a reconstrução” que seja co-presidida pelo Primeiro ministro haitiano e pelo ex-presidente Bill Clinton. A pimenta da história é que sob a presidência de Bill Clinton, a política comercial norte-americana contribuiu ao desabamento da agricultura haitiana por causa da importação de arroz americano mais barato que o produzido localmente. Nem todos ficam convencidos de que o governo norte-americano não esteja impondo uma tutela sobre o Haiti sob a cobertura de “parceria”. O bilhão prometido ainda não foi disponibilizado.
Em contraponto, pesquisadores reunidos num seminário na universidade de Nottingham, tentavam interpretar as vitórias eleitorais de uma esquerda ou centro-esquerda em muitos países da América latina. Expectativas populares alimentaram a perspectiva da perda efetiva do poder das classes dominantes. Mas, a história não evidencia nenhum caso de renúncia voluntária por parte da classe dominante, da sua posição de poder. Transformar as relações de propriedade e de classe exige uma mudança da ordem institucional para garantir a soberania interna e externa. Dentro do quadro de democracia liberal baseada sobre a propriedade, não há como garantir as liberdades democráticas das classes empobrecidas, e especialmente das populações indígenas e de suas propriedades comunitárias. No Peru, nestes últimos anos, as forças do mercado e a promoção de grandes investimentos se reforçaram ao detrimento da proteção do direito de propriedade da terra das comunidades camponesas. Um artigo de Alan Garcia “El síndrome del perro del hortelano” é esclarecedor dessa visão nitidamente excludente das pequenas formas de produção, principal causa dos últimos conflitos como o do massacre de Bagua no 5 de junho de 2009.
Para assegurar os direitos das grandes maiorias das populações, é preciso mudanças constitucionais. Nesta luta, o papel central de lideranças carismáticas, mas sem negar o papel de milhões de cidadãos, é inegável. A relação entre o líder e o povo provoca perplexidade, mal-estar, pânico e raiva na cabeça de políticos conservadores e céticos diante das reformas políticas e sociais. Entretanto, não há como garantir mudanças significativas sem romper com o modelo dominante de democracia liberal e a sua “segurança democrática”. A democracia é social ou não é para todos.
As vitórias eleitorais e a posse de homens (seria bom suprimir) políticos de esquerda ou centro-esquerda não garantem mudanças muitas vezes prometidas na campanha eleitoral e nos discursos de posse. Existe um hiato entre o poder político conquistado legitimamente pelas urnas e o poder de fato, econômico. Estar no governo não significa ocupar efetivamente o poder. Isto é verdade não só para os chamados políticos de esquerda, mas vale também para Obama. As elites tradicionais do campo liberal-conservador (republicano nos Estados Unidos) não abrem mão do seu domínio e das suas riquezas, não aceitam alternância do poder econômico e político, pois, para essas elites, não existe e nem pode existir outro modelo que aquele que põe a economia como única no centro de toda ação e decisão política. Será que, nesta situação que não é conjuntural, mas estrutural, a Campanha da Fraternidade deste ano “Economia e vida” tem alguma pertinência para nós, cristãos, padres e bispos?
Neste contexto de bipolarização social e política, a mídia exerce papel significativo, seja por suas informações tendenciosas, seja por seu silêncio proposital ou imposto. Acusações de censura, de desrespeito à liberdade de imprensa são lançadas dos dois lados. A Sociedade interamericana de imprensa denuncia que na Venezuela, Bolívia e Equador, há restrições à liberdade de expressão dos canais privados de comunicação, mas se omite, silenciando (ficando caladinha), diante da suspensão e redução ao silêncio das emissoras locais e internacionais pelos golpistas na Venezuela e recentemente em Honduras. Neste país, houve pouco eco sobre denuncias de agressão aos direitos humanos e morte de líderes sociais. Grupos paramilitares foram chamados, seguindo o exemplo da Columbia, para reprimir a oposição e, hoje, constituem um problema para a segurança interna.
Pela militarização e intervenções diversas dos Estados Unidos, a “segurança democrática” assinala um déficit ou recessão democrática. Mas, na verdade, é também sinal de enfraquecimento das democracias latino-americanas incapazes de regular os seus conflitos sem recorrer aos Estados Unidos. Estes contribuem e alimentam a bipolarização social e política das sociedades latino-americanas. Não é para hoje que vai ser possível dispensar a OEA para resolver as tensões e os desacordos na América do Sul. A UNASUL e o Grupo do Rio são instituições que carecem de legitimidade e de real soberania livre das influências norte-americanas. A integração latino-americana exige soberania interna e externa. Será que existe uma vontade política das elites para avançar neste caminho mais esperançoso para o Continente?
Será que o Presidente Obama tem condição de praticar uma política de respeito às soberanias nacionais com outras relações de parceria que não sejam mais de dependência? O internacionalismo (imperialismo) americano quer “fazer o bem”, buscando o global meliorism e curar os males da humanidade, construindo uma ordem mundial liberal e democrática, mas com a potência americana no centro, com a América como nação indispensável. É um sentimento americano antigo e profundamente enraizado. Desde os seus primeiros tempos, os norte-americanos consideram-se uma nação excepcional chamada a implementar uma política mais altiva, como nação moral tendo recebido a missão de construir um mundo melhor, sem impedir a busca do seu interesse nacional. A política americana de força é uma tentativa para poder continuar a tornar-se necessária no quadro mundial. Aqui há um paradoxo: no momento que o mundo descobre que pode prescindir dos Estados Unidos da América, os Estados Unidos da América percebe que ele não pode prescindir mais do mundo.
3. Brasil: desigualdade e papel do Estado, direitos humanos, Ficha Limpa e eleições 2010, II Assembléia Popular e Belo Monte
Desigualdade, pobreza e o papel do Estado
Já é mais ou menos lugar comum, que a renda e riqueza no Brasil se concentram devido à forma como se deu nossa industrialização, substituindo importações para atender à demanda pré-existente. Para fazê-lo, a indústria nacional deveu copiar (com certo atraso) o uso de tecnologia e de mão de obra qualificada vigente nas economias desenvolvidas (sem esquecer as máquinas e produtos semi-acabados que se tinham que importar).
Ora, hoje assistimos ao aprofundamento da desigualdade com certa redução da pobreza, graças a duas novidades importantes que diversificam e matizam a descrição do que ocorreu por décadas.
Cresceu percentualmente a parcela da renda financeira no bolo total; a nova disputa distributiva entre rendas financeiras e da produção se sobrepõe àquela anterior, entre fatores de produção “nobres” e “pobres”. A concentração de renda e riqueza continua e tende mesmo a aumentar, no conjunto da economia.
Dentro do setor produtivo real, os fatores “nobres” (gerentes e técnicos de diversos níveis, mão de obra mais qualificada) que recebiam renda em salários, conseguem negociar novas formas de remuneração. Estas bonificações ou participação nos lucros tornam-se parte crescente daquela renda. Em consequência a massa salarial estatisticamente se distribui melhor, mas porque os fatores “pobres” continuam a receber salários, enquanto rendas “nobres” se transferem para outros itens contábeis.
Ao mesmo tempo, há um dado novo a contrapelo do ocorrido por décadas, efetivo, mas ainda longe de mudar substancialmente a resultante de forças. As políticas compensatórias dos últimos dezesseis anos – e mais do governo atual - têm ampliado o mercado de bens populares, estimulando a pequena economia local a empregar mais – precisamente fatores “pobres” de produção. O mais importante aqui não é o acréscimo da renda popular distribuída diretamente pela assistência governamental. É mais seu impacto no emprego e na estrutura produtiva.
O Brasil atravessou a crise internacional menos danificado que a maioria dos países, graças a estes dois vetores opostos, mas complementares da política econômica:
- a política macroeconômica no figurino do “Consenso de Washington”, favoreceu os setores financeiros, mas passou aos “mercados” (leia-se à finança internacional) a imagem estável e confiável do Brasil;
- as políticas anti-cíclicas: política de aumento sistemático do salário-mínimo acima da inflação, renúncia fiscal (IPI, por exemplo), ampliação do crédito (via Bancos Estatais: BDNES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, por exemplo) e políticas compensatórias ampliaram “por dentro e de baixo para cima” o mercado interno.
A pergunta, se agora a partir disto é possível a passagem a uma nova fase, de mudanças estruturais para mais igualdade interna e mais autonomia nacional, daria agenda a um debate acadêmico fascinante. Mas a resposta real depende de política e poder, essencialmente da capacidade de organização dos movimentos populares e de sua articulação com o “estritamente político”: eleições, partidos, Estado.
Podemos entrever como provável uma guinada gradual no papel do Estado.
O discurso dos candidatos não garante o que hão de fazer. Nem sempre os eleitos têm vontade – ou cacife – políticos para realizar o que aliados e apoiadores esperam, adversários e críticos temem. Mas a tendência parece real; o próprio “mercado” – revelam seus órgãos formadores de opinião - começa a percebê-la, suspeitar dela ou temê-la.
Para exemplificar, podemos citar a aplicação real do orçamento brasileiro em 2009: 36% foi para o pagamento dos compromissos com a Dívida Pública, que no ordenamento jurídico brasileiro não tem limites. Essa situação está profeticamente denunciada no texto-base da Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano.
O principal candidato da oposição, quando ministro fazia parte da corrente “desenvolvimentista” no governo. Quer um Estado ativo, controlando e orientando o desenvolvimento portado pela iniciativa empresarial.
O Estado apoiaria e ajudaria a expansão e diversificação da economia, sem intervir diretamente na questão da desigualdade e pobreza. O desenvolvimento visado aumentaria o número e o leque de empregos e indiretamente teria impacto nestas questões sociais. Mais: o Estado seria promotor na área de saúde e educação. As políticas compensatórias seriam mantidas, acompanhando a curva da população e do emprego.
A candidata do governo teria uma postura similar, mas certamente com um Estado mais empreendedor na área econômica, p.ex. na superação dos gargalos de estrangulamento da economia em expansão. O Estado teria um projeto de desenvolvimento.
Com o risco de anacronismo, podemos falar de um “neovarguismo” econômico. A formação ideológica de Vargas ia na direção do liberalismo econômico (embora, por influxo positivista, não do liberalismo político). Mas os impasses da indústria nascente de então, o decidiram a instaurar setores de capitalismo estatal para remover os bloqueios de que a iniciativa particular não dava conta. Algo parecido se pode entender das manifestações da candidata.
Também nas questões sociais da desigualdade e da pobreza veríamos o Estado ampliar o leque e a intensidade de seu impacto promotor e interventor. “The Economist” em artigo recente analisa que o sucesso no enfrentamento da crise teria reacendido no governo a crença no papel do Estado. “Wall Street Journal”, mais rigidamente neoliberal, alerta os leitores a moderarem o entusiasmo pelo Brasil, em vias de deixar o bom caminho.
O debate a respeito já começou entre economistas brasileiros dependendo do lugar socioeconômico de onde falam e levando em conta que também qual é a candidatura que defendem.
Ficha Limpa e Eleições 2010
Depois de muitas manobras protelatórias, e após muitas reuniões buscando soluções, o Projeto de Iniciativa Popular, em que tantos nos empenhamos para coletar assinaturas de apoio, chegou ao momento de decisão. O lançamento dessa campanha foi aprovado por unanimidade na Assembléia dos Bispos de 2008, e em 29 de setembro de 2010, no 10º aniversário da promulgação da Lei 9840, contra a corrupção eleitoral, fizemos a entrega, ao Congresso, das um milhão e trezentos mil assinaturas obtidas.
Nos meses seguintes, o projeto Ficha Limpa ficou sob a pilha de outros projetos que tramitavam, mas ressurgiu no inicio do ano legislativo. Um Grupo de Trabalho parlamentar foi encarregado de analisá-lo, assim com outros dez sobre o mesmo tema, com um mês de prazo para apresentar um substitutivo a todos eles. O substitutivo estabeleceu, com a aceitação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que as condenações que levariam à inelegibilidade teriam que ser decididas por um órgão colegiado (que seria uma segunda instância em alguns casos e uma primeira em outros). Ele foi levado ao plenário, mas foram apresentadas muitas emendas. Ele foi enviado então à Comissão de Constituição e Justiça, com menos de um mês de prazo para ser analisado.
Na manhã do dia 27 de abril, o parecer do relator dessa Comissão foi apresentado. Foram feitos vários pedidos de vista, que atrasariam a tramitação em mais uma semana. Mas os lideres de todos os partidos cumpriram o compromisso que tinham firmado quando da discussão em plenário, e apresentaram um requerimento de urgência urgentíssima, com o que o projeto volta ao plenário da Câmara para lá ser discutido e votado. E no dia 04 de maio, terça-feira, o requerimento será apreciado e o projeto entra em votação.
Eventos em todo o Brasil estão acontecendo para aumentar a pressão sobre cada deputado. O voto será nominal e aberto. Estamos à beira de uma vitória histórica do povo brasileiro, pela dignificação de nosso Congresso Nacional. Mãos a obra, com todo o entusiasmo.
A aprovação do projeto de lei Ficha Limpa em tempo hábil terá um grande impacto nas eleições, visto que retira da disputa candidatos que tenham sido condenados por crimes em instâncias colegiadas (tribunais de justiça, por exemplo), ou que tenham renunciado após formalizada a representação (denúncia formal) em Comissão de Ética das casas legislativas. (Finalmente o Projeto de Ficha Limpa foi aprovado).
O MCCE avalia que após a aprovação no Congresso será necessária grande mobilização para sua efetiva aplicação, além, é claro, de resistir com a ampliação do debate público a possíveis ações no STF para postergar a aplicação para as eleições de 2010.
Sobre o quadro das Eleições presidenciais de 2010, vamos compartilhar uma entrevista que o titular da cadeira de História do Brasil na Sorbonne, Professor Doutor Luiz Felipe de Alencastro concedeu ao Jornal Valor Econômico, no dia 09/04/2010, que traz reflexões sobre o quadro eleitoral que se aproxima e para pensar o país, seja qual for o resultado das eleições. (texto anexo)
Direitos Humanos
Há uma comissão de Bispos, apoiada por assessores, que irá apresentar uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, no ponto específico sobre o tema. A idéia é refletir sobre o papel da Igreja na promoção dos Direitos Humanos e a partir desse lugar na história, procurar agir na perspectiva de fortalecer os Direitos Humanos, dando seu testemunho e exercitando sua missão profética.
II Assembléia Popular Nacional
Será realizada, entre os dias 25 e 28 de maio de 2010 (já ocorreu), em Brasília, a II Assembléia Popular Nacional. A I Assembléia Popular foi realizada em outubro de 2010, também em Brasília, e reuniu mais de 10 mil participantes, que representavam centenas de entidades, entre estas pastorais sociais, movimentos populares rurais e urbanos e uma ampla gama de grupos de base dedicados às lutas sociais.
O principal fruto desta I Assembléia foi a elaboração coletiva do Projeto Popular para o Brasil, que sistematizava as propostas do “Brasil que Queremos”. A partir das formulações das próprias pastorais sociais e movimentos, o Projeto Popular para o Brasil trazia afirmações importantes com relação aos valores e à ética na vida política, à igualdade de gênero, à diversidade sócio-cultural e, principalmente, trouxe a noção de “bioma” como elemento organizador para se pensar o país, a população, o meio ambiente e a formulação das políticas públicas.
A Assembléia Popular tem suas raízes nas Semanas Sociais Brasileiras, realizadas desde 1991 pela CNBB, e que constituíram um importante espaço para se debater os desafios centrais para o Brasil, do ponto de vista do trabalho, do protagonismo social, das dívidas sociais e das alternativas em termos de desenvolvimento sustentável e com igualdade social. Parte de suas raízes também estão nas lutas sociais dos anos 90, no Grito dos Excluídos, nos Plebiscitos sobre a Dívida Externa e sobre a Alca, em redes sociais como o Jubileu Sul Brasil, nas inúmeras lutas locais, dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades extrativistas etc.
A II Assembléia Popular pretende realizar uma atualização do Projeto Popular aprovado em 2005. As contribuições das pastorais sociais e movimentos populares já foram enviadas para uma Equipe de Sistematização, que redigiu um Instrumento de Trabalho o qual será a base para os debates e reflexões dos participantes. Diferente da primeira, esta II Assembléia não terá caráter massivo, mas de representação dos estados, pastorais sociais e movimentos populares.
Durante o processo de preparação da II Assembléia Popular surgiram divergências e tensionamentos, próprios de um processo que reúne uma diversidade tão grande de grupos e movimentos, mas um sério esforço vem sendo feito pelas várias lideranças, para que estas diferenças resultem em amadurecimento das concepções, métodos e práticas ali presentes e num aperfeiçoamento da democracia interna.
Esta II Assembléia Popular configura, portanto, um amplo processo, de abrangência nacional, de continuidade na construção coletiva de um Projeto Popular para o Brasil. Frente à ausência ou extrema pobreza de propostas políticas sintonizadas com os setores populares, por parte dos partidos políticos institucionalizados, a iniciativa da Assembléia Popular ganha importância estratégica e poderá, inclusive, contribuir positivamente com o debate eleitoral a ser realizado neste ano, superando o eleitoralismo e qualificando a discussão de projetos para o país.
Igualmente importante, a II Assembléia Popular deverá resgatar os valores da pedagogia democrática no trabalho junto aos setores populares rurais e urbanos; fortalecer o protagonismo popular na formulação das políticas públicas e elaborar propostas de controle social do Estado, com base na ampla e diversa participação da população organizada.
Muitos agentes das pastorais sociais e militantes de movimentos populares já afirmam que, neste ano eleitoral, “meu candidato será o Projeto Popular para o Brasil”.
Hidrelétrica de Belo Monte[3]
O projeto governamental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, nos últimos dias, virou símbolo de polêmica em diversas dimensões: ambiental, indígena, ribeirinha, social, econômica, dos processos de licenciamento, dos métodos de audiência pública, do papel da mídia, de modelo energético, de concepção de desenvolvimento, de financiamento estatal, de futuro da Amazônia brasileira e, finalmente, das relações do Poder Judiciário com o Poder Executivo.
As primeiras referências à construção de hidrelétricas naquela região do rio Xingu datam dos anos 70, quando os militares traçaram planos para a construção de inúmeras barragens em toda a região amazônica. O desenvolvimento de tais projetos, no entanto, encontrou forte resistência nos anos e décadas seguintes, pois foi concomitante ao crescimento das lutas indígenas e das populações tradicionais, na defesa de seus territórios e de seus direitos históricos.
O projeto original tinha por nome “Kararaô” e pretendia alagar cerca de 1.500 quilômetros quadrados de florestas e áreas indígenas. Circulou por todo o mundo, a foto do representante da Eletrobrás com um facão no pescoço, empunhado pela indígena Kaiapó, Tuíra, mostrando sua indignação frente à ameaça de suas terras serem alagadas pelos seis barramentos projetados para o rio Xingu. O movimento ambientalista, que cresceu no país após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1989, aliado ao movimento indígena, também em crescimento no período, conseguiu com que o projeto fosse sustado durante mais de uma década. Experiências extremamente negativas, como da Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, inviabilizaram, moralmente inclusive, a continuidade deste e de outros projetos do setor elétrico brasileiro.
A chamada “década perdida” em termos de crescimento econômico, associada às concepções de “Estado mínimo”, dos anos 90, onde o planejamento estatal foi abandonado, deixou dormindo nas gavetas da burocracia governamental, diversos projetos de investimento em infra-estrutura, inclusive hidrelétricas. Com a retomada dos projetos de desenvolvimento, ao longo dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vários projetos voltaram para as pranchetas dos técnicos governamentais, entre eles a antiga hidrelétrica “Kararaô”, que foi reduzida e rebatizada de “Belo Monte”.
Frente às fortes críticas de ambientalistas e dos povos indígenas, o projeto foi redesenhado, reduzido em suas dimensões para cerca de 500 quilômetros quadrados de área alagada e reduzido de seis para um barramento, na chamada Volta Grande do rio Xingu. Mesmo assim, trata-se de um grande projeto, avaliado como a terceira hidrelétrica do mundo, inferior apenas à hidrelétrica de Três Gargantas, na China, e à hidrelétrica de Itaipu, e continua de grande impacto sócio-ambiental.
O governo realizou audiências públicas e o processo de licenciamento, viabilizando a formação dos consórcios e o leilão desta hidrelétrica no dia 20 de abril último. Nada disso, no entanto, vem sendo realizado tranquilamente, pelo contrário. Questionamentos vieram de inúmeras áreas, dos povos indígenas e ribeirinhos, do Ministério Público, dos ambientalistas, de uma plataforma de cientistas que estudaram o projeto etc. Destaca-se, entre os críticos de Belo Monte, o Bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler, que colocou pessoalmente ao presidente Lula sua inconformidade com o projeto e suas razões, tendo aberto espaço, nesta mesma reunião, para a fala de representantes dos povos indígenas, ribeirinhos, do Ministério Público e dos cientistas.
Apesar da “licença prévia” ter sido dada, e de ter viabilizado o leilão, é necessária a “licença de construção”, para que Belo Monte venha a ser concretizada. Daqui até esta possibilidade, a polêmica só tende a crescer, com os argumentos e ações judiciais de parte a parte sendo colocados.
Por um lado, o governo sustenta que os impactos do projeto inicial, Kararaô, foram reduzidos em um terço e que medidas de redução e mitigação de impactos foram e serão tomadas, incluindo um projeto de desenvolvimento regional e um conjunto de condicionantes, no valor de 800 milhões de reais em investimentos públicos, protegendo o meio ambiente e as comunidades atingidas e criando políticas públicas em saneamento básico, saúde e educação para a população. Sustenta, também, que o país necessita de “uma usina de Itaipu a cada três anos”, ou cinco mil megawatts por ano, “para dar continuidade ao projeto de crescimento econômico e inclusão social dos últimos anos”.
Por outro lado, os críticos do projeto questionam a ausência de escuta das comunidades que seriam atingidas, indígenas e ribeirinhas; a exclusão do Ministério Público do processo; a falta de informações precisas sobre os impactos sócio-ambientais de Belo Monte; sobre os riscos para a vida das comunidades e para o meio-ambiente; sobre a navegabilidade do rio Xingu e o futuro das cidades da região; sobre as políticas públicas para dar conta da chegada de mais de 100 mil migrantes à região; sobre a possibilidade de no futuro os demais barramentos serem retomados, atingindo fortemente todos os povos indígenas da região do Xingu.
Os críticos de Belo Monte, incluindo o Bispo do Xingu Dom Erwin Krautler, questionam, principalmente, a própria concepção de crescimento econômico assumida pelo governo Lula, da qual Belo Monte faz parte.
4. Notícias do Congresso
Contribuíram para esta análise:
Pe. Antonio Abreu SJ, Pe. Bernard Lestiene, Daniel Seidel,
Pe. Thierry Linard SJ, Pe. José Ernanne Pinheiro, Pe. Nelito Dornelas e Paulo Maldos
Profº Msc Daniel Seidel - Universidade Católica de Brasília e CBJP/CNBB

[2] Artigo “Mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza são mulheres”, de Karol Assunção da página do Adital (http://www.adital.org.br/)
[3] Para dados mais detalhados, acessar a Análise de Conjuntura Especial do CEPAT sobre Belo Monte, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=29930.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Voce é o visitante n.

estatisticas gratis

Seguidores

Arquivo